Saturday, May 4, 2013

A Produção de Sentido (45 anos do Maio de 68)

Gilles Deleuze escreveu que o Maio 68 nao aconteceu (artigo de 1984) mas a verdade e' que o seu livro Lógica do Sentido, que foi publicado em 1969, pode muito bem ter sido escrito em Maio de 1968.

Talvez o Maio de 68 só tenha acontecido em casa do Gil na décima primeira serie da Lógica do Sentido: a série do nonsense, do não sentido (que é diferente do sem-sentido). É aqui, no nonsense, que encontro o que acho basilar em Deleuze. Ele representa o encontrar dos processos de sentido no nonsense. Deleuze é um aventureiro no mundo do nonsense, do caos, do impensável. É a tarefa dele explorar esse espaço e descobrir ai, um sentido. O produzir de um sentido. Deleuze ensina-nos como acontece a produção de sentido, como produzimos o sentido das coisas e do mundo; ou melhor, despersonalizado: como se produz o sentido? Como se produzem os novos sentidos?
E isto é a linha de fuga: a linha nova que atravessa um espaço e representa, em si, um sentido novo.

Para digerir melhor o texto, traduzi para Português. Parece-me ser um resumo fácil de entender mesmo para quem nunca leu Deleuze:

"É agradável que ressoe hoje que o sentido nunca é um principio ou uma origem, mas que é produzido. Não é algo a descobrir, a restaurar, ou a re-empregar; é algo a produzir por uma nova maquinaria. Não pertence a nenhuma altura ou profundidade, mas antes a um efeito de superfície, sendo inseparável da superfície, que é a sua própria dimensão. Não é que falte profundidade ou altura ao sentido, mas antes que falta superfície a' altura e a' profundidade (...).

Não procuramos, por exemplo, em Nietzsche um profeta do anulamento ou da transcendencia. Para Nietzsche, a morte de Deus ou a queda livre do ideal ascético nao tem importância desde que sejam compensadas pela falsa profundidade do humano, pela ma fé e pelo ressentimento. Nietzsche prossegue as suas investigacoes noutro lugar, no aforismo e no poema (onde nem Deus nem Homem falam), nas maquinas para a produção de sentido e para a pesquisa da superfície. (...)

Nós não procuramos em Freud um explorador das profundezas e do sentido originário, mas antes o prodigioso descobridor da maquinaria do inconsciente através da qual o sentido é produzido sempre como uma função do nao-sentido (nonsense).

E como é que nós podíamos não sentir que a nossa liberdade e forca residem, nao no universal divino nem na personalidade humana, mas nestas singularidades que são mais nós do que nós mesmos somos, mais divinos que os deuses, pois elas animam concretamente poema e aforismo, revolução permanente e acção parcial?

O que é burocrático nestas fantásticas maquinas que são pessoas e poemas? É suficiente que nos dissipemos, nós mesmos, um pouco, que sejamos capazes de ser a' superfície, que estiquemos a nossa pele como um tambor, (...) Um quadrado vazio nem para Deus nem homem; singularidades que não são nem gerais nem individuais, nem pessoais nem universais. Tudo isto é atravessado por circulacoes, ecos, e eventos que produzem mais sentido, mais liberdade, e mais forca (...)

A tarefa de hoje é fazer o quadrado vazio circular e fazer singularidades pre-individuais e não-pessoais falar - em resumo, produzir sentido."

2 comments:

  1. do ingles:
    "It is thus pleasing that there resounds today that sense is never a principle or an origin, but that it is produced. It is not something to discover, to restore, and to re-employ; it is something to produce by a new machinery. It belongs to no height or depth, but rather to a surface effect, being inseparable from the surface which is its proper dimension. It is not that sense lacks depth or height, but rather that height and depths lack surface, that they lack sense, or have it only by virtue of an “effect” which presupposes sense. We no longer ask ourselves whether the "originary meaning" of religion is to be found in a God betrayed by men, or in a man alienated in the image of God. We do not, for example, seek in Nietzsche a prophet of overturning or transcendence. If there is an author for whom the death of God or the free fall of the ascetic ideal has no importance so long as it is compensated by the false depth of the human, by bad faith and ressentiment it is indeed Nietzsche. He pursues his discoveries elsewhere, in the aphorism and the poem (where neither God nor man speak), in machines for the production of sense and for the survey of the surface. Nietzsche establishes the effective ideal game. We do not seek in Freud an explorer of human depths and originary sense, but rather the prodigious discoverer of the machinery of the unconscious by means of which sense is produced always as a function of nonsense. And how could we not feel that our freedom and strength reside, not in the divine universal nor in the human personality, but in these singularities which are more us than we ourselves are, more divine that the gods, as they animate concretely poem and aphorism, permanent revolution and partial action? What is bureaucratic in these fantastic machines which are peoples and poems? It suffices that we dissipate ourselves a little, that we be able to be at the surface, that we stretch our skin like a drum, in order that the 'great politics' begin. An empty square for neither man nor god; singularities which are neither general nor individual, neither personal nor universal. All of this is traversed by circulations, echoes, and events which produce more sense, more freedom, and more strength than man has ever dreamed of, or God ever conceived. Today's task is to make the empty square circulate and to make pre-individual and nonpersonal singularities speak–in short, to produce sense."

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